03 de dezembro de 2021 | Leitura: 6min
Uma síntese e um agradecimento pelo fim do programa Diálogos Socioemocionais no Estado de Mato Grosso do Sul. Leia mais!
RUY FLÁVIO DE OLIVEIRA – Sócio da 3GEN
Não me lembro de onde vi, nem do contexto, mas me lembro de ter sido o cantor Gilberto Gil quem contou a história. Um incêndio consumia vorazmente a floresta, e os bichos fugiam apavorados. De repente um mico-leão, fugindo pelo alto das árvores, viu um beija-flor voando para uma lagoa ali próxima. O bichinho pegou uma gota com seu bico comprido e disparou em direção ao incêndio. O Mico perguntou “Você acha que vai conseguir apagar um incêndio desse tamanho com água de gota em gota?” O beija-flor respondeu: “Só estou fazendo a minha parte.”
A alegoria é simples, clara, e pode ser aplicada a uma enorme variedade de contextos. A floresta pegando fogo, por exemplo, pode ser o Brasil durante a atual crise sem precedentes. O beija-flor é qualquer um que, ao invés de reclamar, fugir ou dar de ombros, faz o que considera ser sua parte para tentar melhorar as coisas. Não sei se o incêndio seria apagado se todos os bichos seguissem o exemplo do beija-flor, mesmo se recebessem o apoio das aldeias vizinhas e do corpo de bombeiros da capital e da guarda nacional. Mas o fato é que cada um que faz alguma coisa, torna a situação um pouco menos catastrófica, e isso sem dúvida já ajuda muito.
Em 2019 topei com dois beija-flores, um chamado Instituto Ayrton Senna, o outro chamado Secretaria de Estado de Educação do Estado do Mato Grosso do Sul. IAS e SED-MS, para os íntimos (e todos estão convidados a serem íntimos).
É fácil reclamar do estado da Educação no Brasil. Falta dinheiro, falta empenho, falta infraestrutura, falta merenda, sobram prédios necessitando de reformas urgentes, sobra influência política indevida, e por aí vai. “O estado precisa fazer alguma coisa!” e “Quem não estiver satisfeito, que coloque seus filhos na escola particular” são gritos e contra-gritos comuns a quem quer desperdiçar tempo seguindo pela seara da reclamação.
Mais difícil — e muito mais efetivo — é arregaçar as mangas e fazer alguma coisa. É isso que educadores brasileiros fazem todos os dias, em suas salas de aula, em suas secretarias municipais e estaduais de Educação. É isso que, há 27 anos, o Instituto Ayrton Senna faz. É isso que a SED-MS faz.
Quando topei com essa cena em 2019: o IAS e a SED-MS haviam selado um acordo de cooperação por meio do qual um novo programa seria desenvolvido em Mato Grosso do Sul, chamado Diálogos Socioemocionais. Para mim fez todo o sentido do mundo: ensinar os estudantes aquilo que é o alicerce não só para seu processo educacional, mas para sua vida como um todo. Foco, empatia, tolerância à frustração e ao estresse, organização, responsabilidade, curiosidade para aprender e por aí vai. Todas as competências socioemocionais, em um ambiente familiar ideal, deveriam ser ensinadas pelos pais aos filhos. No meu tempo era “Moleque, nem pensa em ligar essa televisão antes de acabar a lição, hein?”. Mas como esperar “um ambiente familiar ideal”, em nosso país, nos dias de hoje? Os pais já merecem medalhas por conseguir manter um teto sobre a cabeça de seus filhos, e esperar o ensino de competências socioemocionais não é realista. Mas isso, obviamente, não muda o fato de que essas competências são fundamentais para que essa meninada cresça equilibrada, tornando-se cidadãos produtivos, positivos, e com chances de galgarem seu espaço na sociedade, contribuindo para com nosso (tão necessitado) país.
Mergulhei de cabeça no projeto, gerenciando a logística de operacionalização ao lado de três seres que só não lembram mais as três fadas madrinhas do desenho “A Bela Adormecida” porque não são gordinhas nem de meia idade. Simone, Edna e Roberta, as três formadoras — competentíssimas, entusiasmadíssimas, potentes a não poder mais — emprestavam ao projeto a energia, a alegria e sobretudo o conhecimento que eram necessários.
Aqui cabe um parêntese importante. Outro dia, “passeando” tarde da noite por algumas salas de bate papo do aplicativo Club House (para quem quer conversar sobre assuntos aleatórios com completos desconhecidos), entrei em uma sala de papos culturais em que os presentes discutiam teatro. Fiquei ouvindo quando um dos presentes contou um “causo” bacana sobre o ator polonês naturalizado brasileiro Zbigniew Ziembinski. “Zimba”, como gostava de ser conhecido, fugiu da perseguição aos judeus e adotou o Brasil como pátria escolhida. Durante a temporada da peça “Jornada de um longo dia para dentro da noite”, de Eugene O’Neill, Zimba foi elogiado por seu papel como Jerome Tyrone, um ator decadente refletindo com sua família disfuncional acerca de sua carreira. O ator recusou os elogios dizendo algo na linha de “Não mereço esses elogios, pois sou só o abajur. O mérito da iluminação não é do abajur, mas sim da lâmpada e da energia que alimenta essa lâmpada. A lâmpada são as palavras do autor da peça, e a energia vem do público, que recebe de volta a luz. O abajur já faz muito se não atrapalhar e se oferecer a estrutura para a luz brilhar.”
Não consegui identificar onde e quando (ou mesmo se) Ziembinski se referiu com tanta humildade sobre si mesmo — especialmente sendo um ator de tão alto calibre como era —, mas achei muito significativas essas palavras. Até porque penso que esse seja o papel da 3GEN nesse programa tão importante, os Diálogos Socioemocionais.
Colocados entre a luz do conhecimento e do método do Instituto Ayrton Senna e a energia do entusiasmo e da maturidade da Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul, somos o abajur que fornece a estrutura para que o programa tenha sucesso. E estamos felizes nesse papel, honrados pelo privilégio de participar de algo tão grande, tão importante, tão maravilhoso.
Em alguns momentos tivemos que adaptar nosso abajur, pois como eu costumo dizer (e fico feliz que a expressão tenha sido adotada por alguns de nós): “No meio do caminho tinha uma pandemia”. Março de 2020, todos com passagem comprada, hotel reservado, felizes por podermos matar a saudade dos amigos de Mato Grosso do Sul, e de repente… “Pára tudo, ninguém se mexe, cancela que não é para ninguém sair do lugar.” Tivemos que mudar toda a forma de passar o conteúdo, pois as formações presenciais, nem pensar.
Nos sentimos como se estivéssemos em um avião ganhando velocidade na pista para alçar voo, quando veio a ordem para trocar as turbinas por hélices, sem parar o avião. E rápido, porque o fim da pista estava logo ali, e a gente não queria bater no muro de contenção. Simples assim…
É importante ressaltar que a tremida do abajur não ocorreu por conta nem da lâmpada do IAS nem da energia da SED-MS. E apesar dos percalços, conseguimos adaptar o método às novas condições, e o programa continuou em seu ritmo em 2020.
Em 2021, todo o entusiasmo e maturidade da SED-MS se mostraram novamente: Entendendo a importância de transformar os Diálogos Socioemeocionais em política pública não só em âmbito estadual, mas também estender essa política para os municípios do estado, o programa voltou suas baterias para transformar a SED-MS no equivalente de uma “Agência Técnica” do IAS, passando o bastão das implementações para os formadores da secretaria para que pudessem seguir em frente. Mais uma vez, o abajur da 3GEN fez-se de apoio para que a SED-MS se lançasse a mais essa vocação: líder dispersora de conhecimentos socioemocionais entre os municípios do estado.
Ao longo desse “ano de 730 dias”, que é o biênio 2021-2022, enfrentamos a pandemia assim: à distância, mas juntinhos; vendo-nos apenas pela tela do Zoom, mas próximos das atividades da SED-MS; dando apoio à parceria com o IAS, estando “virtualmente presentes” nas ações de multiplicação com a rede estadual e de planejamento para as formações com as redes municipais a se iniciarem em 2022.
Vimos os esforços desses 3 anos de projeto culminarem com o evento no CFOR, em Campo Grande, agora no início de dezembro. Pela primeira vez em mais de 2 anos pudemos reencontrar os amigos do Mato Grosso do Sul, e testemunhar o quanto a SED-MS cresceu em dentro do programa Diálogos Socioemocionais ao longo do período. De aprendizes entusiasmados, os vemos agora como líderes efusivos, prontos para a tarefa à frente. Ímpetos que não veem a hora de alimentar com sua energia a lâmpada dos Diálogos Socioemocionais e assim verem se iluminar novos adeptos.
É bom demais ser testemunha dessa transformação da SED-MS. E percebo que o papel de abajur assumido pela 3GEN, agora passa a ser também de nossos amigos de Mato Grosso do Sul. Pensando bem, é parte da vocação de educador, não é verdade? Poucos de nós desenvolvemos por nós mesmos o conhecimento que fazemos chegar aos que nos responsabilizamos por ensinar. Um pouco de nós sempre colocamos nesse processo, claro, mas qualquer professor sabe que em algum momento também serve de abajur para que a luz de outros mestres ilumine nossos estudantes. E mais: não é fácil ser abajur, não é trivial, por mais que o Ziembinski quisesse fazer parecer. É um serviço nobre, que se não destaca quem o realiza, enobrece, cria, sustenta.
Servir no posto de abajur nessa parceria da SED-MS com o IAS tem sido privilégio da 3GEN. E tem sido mais que isso, como disse com precisão o poeta indiano Rabindranath Tagore, laureado com o prêmio Nobel de Literatura de 1913:
“Sonhei que a vida era alegria,
Despertei e vi que a vida era serviço,
Servi e entendi que o serviço é alegria.”
Assim, alegre e privilegiado, paro por aqui, com o coração transbordando de gratidão à SED-MS e ao IAS, por permitirem à 3GEN fazer parte desse projeto tão essencial, tão lindo.
Para terminar, fica aqui um presentinho para você: um breve recorte fotográfico desses 3 anos de Diálogos Socioemocionais (a senha é fácil: SED-MS).
https://www.dailymotion.com/video/x861d7h
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