22 de dezembro de 2022 | Leitura: 5min
O aluno volta das férias com um misto de expectativa e ansiedade. Por um lado, sente que ultrapassou um marco, chegou ao tal “Ensino Médio” e começa a se dar conta de seu amadurecimento. Não pensa muito no assunto, mas quando pensa, está dividido entre a simplicidade de sua infância e as possibilidades da adolescência, que tomam forma ao seu redor. Não tem muitas expectativas quanto à escola, que continua sendo uma obrigação, no mais das vezes cumprida mecanicamente, sem uma visão de todo que dê sentido a essa tal “educação”. Mas como é lá que estão os amigos, e como também não tem alternativa (porque os pais obrigam, claro), vamos para a escola, então…
RUY FLÁVIO DE OLIVEIRA – SÓCIO DA 3GEN
Na última aula, de Matemática — que sempre foi meio complicada para ele — o professor é novo. Sério, meio com cara de bravo, ele começa falando sobre datas e provas, e a atenção voa que nem passarinho em dia de sol. “Alguém vai anotar, e depois eu copio”, pensa.
O professor muda de assunto: diz que quer conhecer a classe. Pede para que cada um diga o nome, se gosta de matemática e o que achou mais difícil até ali. A fileira da frente começa meio tímida, respondendo rápido, passando a “batata quente” o quanto antes. O CDF diz que adora Matemática e que não achou nada difícil; uma menina diz que não gosta muito, mas não desgosta de tudo, teve dificuldade com equações de segundo grau.
Chega a vez e o professor faz as mesmas perguntas. Diz o nome, diz que não entende muito bem Matemática e que por isso não gosta muito. A dificuldade? Entender para que servem as coisas que se aprende nessa matéria.
O professor sorri e diz: “Ótima pergunta. Ela tem, acredito, duas respostas. Em primeiro lugar, Matemática ajuda a entender o mundo à nossa volta. Tudo precisa de Matemática: vale mais a pena pagar um produto a prazo, ou economizar todo mês um pouquinho e pagar à vista? O garçom cobrou a conta correta pela refeição que acabo de comer no restaurante? Preciso estar seis horas em um lugar, a que horas preciso sair considerando que tenho que me arrumar e vou gastar um tempo no trânsito? O sofá lindo que eu quero comprar cabe na minha sala? Tudo isso e muito mais depende de Matemática. Em segundo lugar, mas não menos importante, por conta do que você acabou de fazer: não entendeu a razão de uma coisa e perguntou. Mais importante que as respostas de Matemática, são as perguntas que a Matemática ensina a gente a fazer. Matemática é lógica, e a lógica ensina a gente a fazer perguntas, o que nos ajuda a entender o mundo e o porquê das coisas. Faz sentido?”
Com certa desconfiança, diz que sim, e a fila anda. Um por um o professor pergunta, e para algumas respostas ele faz um comentário.
Terminada a conversa, ele diz: “Hoje vamos começar com um assunto novo e bem bacana: Logaritmos”.
Ele conta que logaritmos são contas feitas com os expoentes das potenciações. Ele mostra que para calcular 22 multiplicado por 23 basta somar os expoentes, gerando 25, ou seja, 32. Ele mostra a notação, apresenta as regras e quinze minutos depois o aluno está “boiando”.
A coisa caminha para mais uma aula em que não entende nada, mas de repente vem uma novidade. O professor diz: “Antes de eu passar os exercícios, vamos falar um pouco sobre uma ferramenta que vai ajudar: a Tolerância à Frustração”. O aluno lembra vagamente que leu que a partir desse ano vão ser trabalhadas as Competências Socioemocionais em sala de aula. Ele não sabe o que são, mas lembra de ter lido “Tolerância à Frustração” na lista de competências a serem trabalhadas.
Do nada o professor para de falar de expoentes e logaritmos e começa a falar sobre como a gente se sente quando erra alguma coisa na escola. A gente se frustra, diz “isso não é para mim”, deixa para lá, abandona. O aluno franze o cenho: parece que o professor está falando diretamente para ele. O professor continua, e explica que isso é comum. A gente sente que é só com a gente, mas acontece com todo mundo: sempre tem alguma coisa (ou muita coisa) que a gente não entende, não consegue resolver, se frustra e muda de assunto. Mas que se a gente conseguir não se frustrar, vai acabar compreendendo o conceito.
Ele conta a história de um amigo de faculdade que quando ouvia alguém dizendo “não entendi isso” nas sessões de estudo em grupo em uma república qualquer, levantava e vinha até a pessoa e explicava com detalhes, como o professor tinha ensinado. Ao final, perguntava “Entendeu?” Se a pessoa dissesse que não, ele explicava de novo. Se a pessoa dissesse “Entendi!”, ele dizia: “então me explica, porque eu não entendi, só decorei a explicação.” E assim ele ia, explicando, explicando até que alguém que entendeu explicasse para ele e ele entendesse. A sala inteira cai na risada, mas entende aonde o professor quer chegar: a gente precisa tentar até entender, sem se frustrar e deixar para lá.
O aluno levanta a mão. Pede para o professor explicar novamente a tal da conta com expoentes, e o professor explica. Ele não entendeu, mas gravou a explicação. Vai tentar, em casa, compreender o conceito. Está disposto a dar uma oportunidade para essa tal competência socioemocional.
No fim da aula, olha de novo para o professor, ainda de cara fechada. Não acha mais que o professor é bravo ou carrancudo. É só o jeito dele.
O sinal toca e ele arruma o material. O ano começou, mas parece que tem alguma coisa diferente, que ele não sabe o que é. Talvez o ensino médio não seja ruim. Quem sabe?
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