23 de setembro de 2021 | Leitura: 2min
A pandemia escancarou uma realidade que já vinha se pronunciando, ainda que mais sutilmente: o avanço da solidão no século em que vivemos.
O lockdown em muitos países, o distanciamento social, o fechamento de vários estabelecimentos e serviços, o medo do contágio antes da vacina e a própria escassez de vacinas criaram um normal em que a tônica é nos isolarmos. Esse isolamento — que nem de longe é invenção da pandemia, é bom frisar — é o tema central do livro O Século da Solidão, da economista inglesa Noreena Hertz. A autora foi professora da Universiade de Rotterdam e da Universidade College London, e atualmente é editora de economia no canal inglês ITV.
Ruy Flávio de Oliveira – Sócio da 3GEN
A tese central do livro é simples e assustadora:
“a solidão é a condição que define o cidadão do século XXI e, entre vários efeitos deletérios, contribui sobremaneira para o aumento da radicalização e do populismo político, em especial, da direita.”
Sem fazer julgamento de valores, mas observando fatos e apresentando evidências, a autora aponta para o início da década de 1980 como tendo marcado o surgimento da solidão como resultado de um posicionamento político-econômico. Naquele momento da História da Humanidade, tivemos a ascensão do neoliberalismo, postulado e incentivado pelos governos de Ronald Reagan, nos EUA e de Margaret Thatcher, na Inglaterra.
Um dos pilares do capitalismo neoliberal é a independência pessoal, a autodeterminação, a agência individual. “Não espere que os outros te ajudem, ajude-se a si mesmo(a)” é um dos motes do neoliberalismo. A autora correlaciona o crescimento dessa diretriz com a redução das interações sociais: se tenho que depender só de mim e se o outro tem que depender só de si, a tendência é que eu peça menos ajuda e, também, que ofereça menos ajuda. O resultado é uma erosão do senso de comunidade e, consequentemente, o aumento da sensação de solidão. Em que pese a correlação entre esses fatos existir, a própria autora reconhece que correlação e causa são coisas diferentes, e sugere que o assunto deve ser estudado mais a fundo.
Essa sensação de isolamento e solidão sendo experimentada por boa parte da população mundial é também, segundo a autora, um catalisador de outro problema: a radicalização de posições políticas e o aumento do extremismo, como vemos hoje em vários países: o “BREXIT”, na Grã-Bretanha, o Trumpismo nos EUA, o movimento liderado pelo Primeiro-Ministro Narendra Modi na Índia, o recrudescimento da briga entre direita e esquerda no Brasil são exemplos dessa radicalização.
O Solitário: Presa da Radicalização
O indivíduo que se sente só, segundo a autora, é presa mais fácil para os que buscam radicalizar. Esses radicalizadores oferecem compreensão e — mais importante — um inimigo comum. O radicalizado se vê em uma comunidade de “iguais”, supostamente oprimidos pelo “outro lado”, e quando se enxerga como estando do lado certo da luta, a semente do radicalismo germina.
Além dos resultados sociais e políticos, a autora enfatiza outros efeitos negativos da solidão: os prejuízos para a saúde e para a economia.
Colaboradores de uma empresa que se sentem sós — cada vez mais isolados em suas atribuições, muitas vezes sendo punidos pelo tempo de socialização, como no caso dos empregados da Amazon, que têm seu tempo contado até para ir ao banheiro —são menos produtivos e mais passíveis de perderem dias de serviço.
Solidão e Saúde
A solidão leva ao estresse, prejudicando o sistema imunológico, aumentando o risco de doenças cardiovasculares e aumentando em cerca de 30% a chance de morte prematura. A tecnologia é apontada pela autora como catalizadora da solidão, o que é fácil de ser percebido: o tempo que passamos grudados na tela do computador, do tablet ou do celular nos impede de nos conectarmos efetivamente, humanamente, com outras pessoas. Relacionamentos em redes sociais, mensagens de WhatsApp, postagens no Twitter, fotos no Instagram jamais serão substitutos adequados para o contato humano, para a comunidade real, para a presença — de corpo e alma — de um ser humano.
E a solução?
Hertz sugere cursos de ação ara mitigar o problema da solidão que aflige a Humanidade, cursos de ação esses que já existem sob uma forma ou outra em vários locais, em várias comunidades, e mesmo em várias empresas. Não são caminhos fáceis nem rápidos, mas são caminhos factíveis.
Mais do que isso: são caminhos fundamentais para que possamos nos recuperar — juntos — do mal da solidão.
Leia mais sobre o tema: “Tendências Pós Pandemia” na nossa revista 3GEN e nos acompanhe no Instagram 🙂
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